sábado, 17 de agosto de 2013

Luanda, 6 de Abril de 2013


Queridos, todos!

Faz precisamente hoje um mês que deixei o meu “centro do mundo”! Um mês passou rápido... Houve quem me dissesse que o processo de adaptação teria lugar nas primeiras 3 semanas... se assim for, prova superada! Mas a “coisa” não é tão linear assim, antes fosse!

Há dias de maior ansiedade, em que a saudade bate mais forte, em que a “largatinha”  rabeia mais, cutuca mais e se faz sentir!

Esta semana foi pautada por esse sentimento mas muito provavelmente pelo conjunto de acontecimentos a ela associados: o Domingo era de Páscoa e o meu aniversário, o trigésimo!

Começo então por falar-vos do Domingo, em que a tradicional festa da “aleluia” e o almoço de família habitual, fui substituído por um almoço não menos familiar mas bem diferente no que à companhia, envolvência, gastronomia e ritual, diz respeito.

Fomos convidados (eu, Luis Pedro, Clara e Helder – profs. de cardiopneumologia de coimbra) a almoçar em casa de uma família angolana. Pude finalmente satisfazer a vontade, que havia anteriormente demonstrado, de conviver com os “locals”, sentir a cultura, a genuinidade e a tradição destas gentes...pude “beber” um bocadinho dessa verdadeira essência! E sim... amenizou um bocadinho esse sentimento de um domingo de páscoa longe da família mas isso, será sempre, insubstituível!

Confesso que estava expectante. Fazia-se sentir alguma azáfama em volta dos preparativos por parte da família que nos recebia, não só pelos telefonemas vários que nos iam fazendo, mas também pela insistência e pela manifesta questão que nos demonstravam em contar com a nossa presença para o momento.

Cacuaco era o ponto de referencia para a localização do “evento” no entanto implicou um percurso por terra batida com desvio para o interior...demos rápido com o sitio afinal, as coordenadas foram precisas e facilmente percepcionadas!

Na rua esperava-nos a mãe do Artur (um menino doce e terno que temos tratado ao longo da semana por bronquiolite), recebeu-nos com um sorriso e um forte abraço.

Cá fora já se fazia sentir a música e o cheiro a carne grelhada. Lá dentro, casa cheia. Família, amigos, vizinhos, conhecidos...toda a gente entra e é chamada à  festa! E pelos vistos, cá em Angola é assim! Todos são “primos”... e mais um é sempre bem vindo! ;) Fomos apresentados e recebidos por todos como se fossemos parte integrante da família... e foi assim que nos fizeram sentir ao longo de toda uma tarde! Muita conversa, muitos sorrisos, muitos abraços e muita coisa boa... a juntar-se ao calor de uma tarde tórrida em Luanda, muito calor humano também!;)
E para dominar tanto calor só mesmo uma arca bem gelada (por pedras de gelo, nada de electricidade!) cheia de refrescos, águas, cucas e vinho. Para acompanhar, uma mesa cheia de tudo e mais alguma coisa!. Tudo caseirinho e confeccionado pelas mulheres da casa!

 Foi assim que tive a oportunidade de experimentar a tipicidade da gastronomia angolana. E sim, experimentei tudo com a boca pois só dessa forma posso ser crítica face àquilo que os meus outros órgãos dos sentidos podem absorver e deturpar! J E confesso que no que concerne ao aspecto visual, houve um prato que me meteu “respeito”: Catatus!

Basicamente, catatus são lagartas, a fazer lembrar bichos da seda ou mesmo as lagartas da cove! Os catatus vinham refogados com legumes e cogumelos (pareciam pleurotus). Tomei folgo, alimentei-me de coragem e levei um à boca! Que sensação estranha, que me deve ter levado a contorcer todos os músculos da face! Os catatus são crocantes, meio ocos no interior e com um sabor esquisito... a terra! Só consegui que descessem o esófago porque iam bem regados com um belo néctar dos deuses: EA – cartuxa!:)

Tudo o resto que “compunha” a mesa fez com que a lembrança desse sabor desaparecesse! Assim estrei-me no calulu (tipo caldeirada de peixe, neste caso corvina, com rama de batata, courgete, beringela e oléo de palma), na Kisaka (refugado de folhas de mandioca, moídas a fazer lembrar esparregado), Rama (rama de batata doce refugada). Reforcei, na prova que já havia anteriormente iniciado, ao feijão em óleo de palma, mandioca, batata doce, banana pão, funge de madioca e funge de milho, moamba de galinha entre outras coisas mais vulgares que habitualmente estão presentes também nas nossas mesas como sendo peixes grelhados, carnes e estufados. (pois é amigos, não consigo parar de alimentar o meu colesterol!! L )

Doces, também havia, mas nada de muito diferente daquilo que temos por ai. Mousses, brigadeiros, pão de ló, serradura... O doce mais doce dos doces?! O sorriso das crianças, muitas... que rodopiavam, que saltavam, brincavam, nos abraçavam e fizeram companhia ao longo de toda uma tarde!

A música,  nos quentes ritmos africanos do kuduro, semba e Kizomba fizeram a combinação perfeita para um Domingo de Páscoa único, diferente, especial...

Abril acordou com uma segunda feira serena... bem preenchida por 5 horinhas de aulas. Ao Luis, deixei-lhe a mentirinha do dia: “ Marquem-me bilhete de ida! Estou farta e não consigo estar mais aqui! Não aguento mais...quero ir!!”. Foi o suficiente para que mudasse de cor e instantaneamente me dissesse: “Não estás bem! Anda aqui mais eu, vamos apanhar ar, vamos conversar, que tu não estás bem!!”. Desatei a rir-me! Definitivamente, mentir não é o meu forte! ;)

E foi depois de terça-feira que o “meu dia chegou”! Foi sem duvida um dia, uma data, um aniversário diferente e único que recordarei e levarei para sempre naquele lugar especial! As mensagens, emails, telefonemas e vídeo-conferências que todos carinhosamente me foram fazendo e deixando encurtou a distância que nos separa e amenizou um bocadinho a saudade de estar longe de quem tanto gosto e queria ter perto neste momento tão especial! Afinal, trinta anos, são trinta anos! J

Os colegas por cá, que já considero amigos, também foram uns queridos e contribuíram para que esta ocasião fosse memorável. Organizaram-me uma festa, um jantar e saída por Luanda! Foi num restaurante português com nome italiano: “Veneza”! A comida óptima (bacalhau de pedir por mais – é assim mesmo o nome, bacalhau no forno e lombo de vitela grelhado) e no final apaguei as velas num bolo igualmente delicioso, os desejos...os de sempre! J

O rumo a seguir previa-se “chique”! segundo eles, “a combinar com a ocasião”!:) Fomos ao Doo-Bahr. Um bar-discoteca, pelo que consta, pertence à Isabel dos Santos (aquela que joga ao monopólio sozinha)!;) Um espaço que prima pela boa escolha na decoração e design arrojado! Repleto de gente, e boa música. É ali que se encontra a “nata da nata”! Mulheres e homens angolanos super bem “montados”, “kitados” e “artilhados”. Sobretudo as mulheres,  lindíssimas! As formas curvilíneas, super-bem delineadas e na dança, nossa senhora, ninguém as bate! Tenho amigos que iam gostar de ver! J

Enfim...à saída do espaço damos de caras com o “universo paralelo” de que vos tenho falado. 3 meninos de rua brigam por uma nota de 500kuanzas... quase despidos... e magros de fome...e é assim esta Angola assimétrica, com duas realidades a conviver porta a porta e sobre o mesmo tecto... num dia 4 de Abril, feriado em Angola: Dia da Paz!

Que a paz chegue realmente...que toque o mundo... e os nossos corações!

Com carinho e amizade vos abraço....

Rita  

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