domingo, 29 de setembro de 2013

A esperança de um olhar




E é tão profundo esse teu olhar,
mais do que eu sei dizer,
tem tanta vida para contar,
um mundo onde se perder.

Carrega pesos de uma vida,
e transporta uma esperança,
que a igualdade seja devolvida,
que a vida seja vivida,
como nos sonhos de uma criança.

Rita sousa

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Luanda, 17 de Setembro


Voo nº SA55, South African airways, destino Joanesburgo ligação a Cape Town. Passageiros acomodados, tripulação a postos, arm doors e Cross check, assim se embarca em mais uma aventura: " Os cinco" por terras de África, um pouco mais a sul. Desta vez sou a mulher no meio de 4 elementos masculinos.

Cape Town, a cidade com a maior latitude do continente, recebeu-nos com um fresquinho ao qual me tenho vindo a desabituar pois, desde Março passado que não sei o que isso é. 

Á saída do aeroporto esperava-nos  um fiat punto que havíamos reservado previamente e viria a ser  nossa companhia nos 3 dias vindouros. Já era tarde, e nesse escuro da noite cerrada, foi o GPS o nosso melhor amigo, que amenizou a dificuldade de conduzir à direita encostado à esquerda e, embora se tivesse "experimentado" a condução em contra-mão, ele fez-nos chegar com confiança ao local de destino: Camps Bay Resort.

Acomodadas as bagagens foi tempo de sair e espreitar a noite de Cape Town, afinal, era Sábado e o pouco tempo que iríamos permanecer por estas paragens, levou a que aproveitássemos intensamente cada instante.

Rumamos ao centro e de cima da Table Mountain avista-se a cidade. E que imagem essa, mágica, de suster o folgo e a respiração com um mundo cintilante aos nossos pés, indiscritível e que fica no coração de quem vive... 

Foi fácil chegar á long street, mais difícil encontrar algo aberto e que suprisse as nossas necessidades: "forrar" o estômago aos mais famintos. O "Zula" parecia vir a servir na perfeição. Um espaço alternativo, com três pistas de dança que tive a oportunidade de bisbilhotar e onde cada um dançava ao seu jeito, como se num mundo próprio vivesse e não houvesse amanhã, um género de trance dance. Num espaço mais reservado, servia-se refeições ligeiras. Foi aí que partilhámos umas tostas de galinha, numa amena cavaqueira. Á saída fomos advertidos por um segurança de que frequentávamos uma zona perigosa. Não demos por isso. Isto para quem se acostuma a andar por Luanda, tudo o que seja menos que isso, é na paz! 

Bateram as 2h e foi hora de regressar aos aposentos. Foi aí que a cabeça repousou na almofada, mas a alma se agitou com a ânsia de devorar todo um mundo novo que está fora por descobrir... Foi dormir a correr pois a alvorada estava convocada para as 8h.

Acordo, afasto o cortinado e tenho o mar aos pés! É esta a imagem que guardo deste sitio. Aqui o mar tem uma bravura imensa que ao mesmo tempo que nos petrifica pela beleza, nos incomoda pela força e pela potência e nos deixa a pensar do que somos realmente feitos...

O pequeno almoço foi "o fim da macacada". Depois de não ter feito a digestão da tosta do dia anterior, meti-me em ovos estrelados com bacon e salsichas. Foi o passaporte para o mau estar, causado pela paragem de digestão, para o dia todo.

As condições meteorológicas não estavam a ajudar para com os "planos das festas". O teleférico que desce a Table Mountain não está operacional na existência de nevoeiro. Mudamos a rota e seguimos a Sul, rumo ao Cabo Agulhas. Por momentos senti-me na estrada que deixa para trás Vila do Bispo e segue direção ao sítio mais terapêutico do mundo mas não encontrei topas, nem pau de pita, nem tonel nem mareta e muito menos palácio inácio. Não é melhor, não é pior, é diferente... Permitiu-me respirar o ar do mar, que renova e liberta e ver com os meus próprios olhos o local onde oceano Atlântico e Indico se cruzam e se fundem numa beleza impar.

O regresso foi com o pôr-do-sol mas a indisposição não me permitiu acompanhar os colegas de jornada para a jantarada de frutos do mar... Parece que foi boa...Fiquei-me pelo chá e fui sonhar cedo.

A segunda feira acordou igualmente coberta de nevoeiro atraiçoando-nos novamente os planos. Não contentes com a desfeita, seguimos para waterfront, uma zona portuária e de marina, próxima ao centro da cidade e que contempla um centro comercial ( o maior da África do Sul) com todos os tipos de lojas, marcas, restaurantes e cafés, confortáveis, convidativos e de design super arrojado, não fosse Cape Town capital mundial do design 2014. É uma cidade cosmopolita, onde várias culturas se encontram e se misturam no chamado melting pot. Uma África bem distinta da que me tenho habituado. Não há anarquia nem caocidade no transito, não há buzinadelas, não há barulheira, não há buracos nas estradas, não há lixo em parte nenhuma. A sério, uma cidade demasiadamente organizada para a desorganização a que me tenho vindo a adaptar e onde as pessoas nos recebem e nos tratam sempre com o maior dos sorrisos parecendo que o terror do apartheid nem sequer passou por ali.

O nevoeiro amainou mas nem por isso o teleférico reabriu. E porque quando Maomé não vai á montanha, vai a montanha a Maomé, não fizemos por menos, fomos ver tudo bem do alto, e levantámos voo, rasgando o céu de helicóptero.

E tantas borboletas na barriga ao olhar para baixo e contemplar a imagem que nos vai aparecendo! A cidade centrada entre o mar e a montanha como pano de fundo e ao descer a Sul, tanto mar, tanto lago, tanta baía, tanta casa numa organização que respira harmonia... Tanta luz aqui! Percebo minha Ritinha porque poderá ter sido este o sítio que escolheste.. Que escolheram :)

Um dia de muita emoção, e antes de o finalizarmos com um jantar no Mama África ( carne de crocodilo, avestruz e veado) ainda pegámos no carro e voltamos a Sul, faltava-nos o "cape of good Hope”!

É desse sítio, onde as tormentas viram boa esperança, onde o medo vira só vontade e onde a vida se abraça, que vos abraço também, num abraço forte e apertado!

Com saudade,

Rita



sábado, 7 de setembro de 2013

Luanda, 7 de Setembro de 2013


Amigos,

Venho de uma aula de dança... e este vibrar do corpo deixou-me a vontade de vir partilhar um pouco mais de mim, um pouco mais dos momentos que vou vivendo e sentindo por aqui. Afinal, é sábado e é mais uma semana que está a chegar ao fim!

A quinta feira foi um dia diferente do rotineiro... fui brindada com um convite...com uma surpresa inesperada e para isso tenho que vos falar do Eduardo.

O Eduardo é um angolano muito simpático. Na sua cor é o sorriso quem mais se destaca. Pai de 5 filhos e professor de matemática na universidade ao curso de economia. Está na escola a leccionar desde bem antes de eu cá ter chegado mas só ultimamente é que lhe tenho sido mais próxima... Talvez o meu despertar progressivamente mais cedo me tenha vindo a possibilitar sermos parceiros nas horas de pequeno almoço e para além do momento de refeição, temos partilhado algumas histórias, algumas conversas e gargalhamos juntos...

Procurou-me eram perto de umas 17h. Perguntou-me se tinha planos para o dia. E ao meu não, sorriu e pediu-me para que não lhe recusasse o convite: fazia toda a questão que eu, o meu colega Samuel e a namorada fossemos a sua casa jantar juntamente com a sua família. E nós, com todo o gosto em aceitar.

Por entre o trânsito infernal no sentido Kaop-Luanda seguimos até á vila de Cacuaco onde chegámos por volta das 20h00. Os sorrisos simpáticos da sua filha e dois netos recebiam-nos á chegada. Encaminharam-nos para as traseiras de uma casa térrea de chão cimentado que diziam humilde e simples... No alpendre fomos brindados com a simplicidade de um abraço meigo e um sorriso terno da sua esposa Isabel que nos convidava a sentar numa mesa posta com pompa e circunstância... repleta de comida toda ela tipicamente angolana com apontamentos da congolesa.

Não pude aceitar instantaneamente o pedido para me sentar. Próximo á mesa estava o espaço onde a comida que nos estava a ser apresentada tinha sido confeccionada (desde as 4h da tarde que a Isabel juntamente com a ajuda da afilhada cozinhavam para nós) e naquele preciso momento, entre tachos e panelas era o famoso funge (de milho) que estava ao lume. Foi colírio para os meus olhos. Evidentemente que tive que “meter o guedelho” e  obviamente, as “mãos na massa”. Fazer funge, não é tarefa fácil. Exige um bater frequente e enérgico com uma colher de pau bem grande e pesadinha chamada maxarico mas, penso não me ter saído tão mal para principiante. Pelo menos os degustadores experts do funge não o desaprovaram! :)

O funge era apenas um dos acompanhamentos para os vários pratos que tínhamos á disposição. Provei de tudo, evidentemente! Assim passei pelo Makayabo (peixo seco frito a fazer lembrar o bacalhau) a acompanhar com ufumbua (folhas silvrestres com muamba de ginguba –amendoim- e óleo de palma). Pelo calulu de corvina a acompanhar com funge (de milho). Pelos carapaus grelhados com funge de bombom (mandioca) e kizaca (folhas de mandioqueira). E finalmente pela pevide, uns bolinhos feitos de pevides de abobora, cenoura, cebola e ovo que mergulham numa miscelânea de  bagre (peixe de água doce), cogumelos, outros legumes e catatus! Sim, mais uma vez comi as famosas larvas...parece que isto primeiro estranha-se, depois entranha-se! Fiquei-me por uma lagartinha, mas comi tudo o resto, regado por um bom néctar...dos deuses!:)

E pelo jantar adentro, por entre as especialidades gastronómicas de uma cultura com carisma fui mergulhando num mar de histórias... A Isabel e o Eduardo têm um oceano para contar!

E fui “toda ouvidos” neste serão... E foi num misto de pele arrepiada e olhos brilhantes que fui viajando na “máquina do tempo” ao som das palavras que a Isabel ia proferindo e tanta coisa para absorver e tanta informação sensível para digerir...

Viajei até 1961, altura em que ambos, em virtude das guerras coloniais , e por racismo por parte dos próprios familiares, se viram forçados a fugir para o Congo (daí a influência congolesa da comida). A Isabel e o Eduardo foram “protegidos” pelos portugueses, subiram de classe e eram na altura os chamados “assimilados”. Ser assimilado era considerado pelos autóctones uma deslealdade,  uma traição e por isso, alvos a abater. Conseguiram ilegalmente fugir e é com muita emoção que nos vão falando destes momentos, dessas histórias, das guerras, do bem e do mal que nós portugueses lhes fomos fazendo.... e das marcas que fomos deixando... feridas que saram...mas nunca se curam. Ficava a noite inteirinha nesta escuta, como se não houvesse amanhã...mas o tardar da hora e uma reunião marcada no campus para os professores residentes não permitiu que assim fosse... ficou no ar um próximo reencontro. Como é bom encontrar pessoas assim pelo “caminho”... “Ouvir” outras “músicas”, “dançar” outras “danças”...

E falando em danças...foi das danças que vim! Hoje havia aula entre os alunos da universidade. Fiquei embasbacada a olhar-lhes a agilidade, a sensibilidade, a proximidade, a espontaneidade., o ritmo controlado dos movimentos concêntricos. Como se tocam, se entrelaçam, se transformam e em uníssono se fundem para uma dança sensual única. Arrepia.... e dá vontade de dançar... E, no meio de tantos experts, lá aprendi uns passos do semba, outros de kizomba e no final uma tarraxinha... disseram que “tarraxei”, que passei no teste e fui convocada para as próximas aulas...

E se “atarraxar” significar agarrar, colar e ficar junto.... então é um abraço “tarraxado” que daqui te sopro! Ao som de uma tarraxinha... com amor e saudade!

Rita


domingo, 1 de setembro de 2013

Luanda, 1 de Setembro de 2013


O dia de sábado (31.08) começou cedo por aqui. O destino mandava que a alvorada fosse ás 4h30. Dormi “a correr” depois de me ter deitado por volta da 1h30, talvez pela excitação do dia que se avizinhava.

Enfim, nada que os 400km de caminho e quase 5h de viagem até à província de Malange não me permitissem recompor.

O dia foi nascendo para nos iluminar a estrada e eu, mesmo esfregando o sono dos olhos, não consegui evitar que estes se serrassem nos entretantos. O Samu ao comando do volante e a sua “Sweet” como co-piloto deixaram-me a liberdade e a segurança para que isso acontecesse.

Entre os solavancos do percurso lá os fui entreabrindo...e tanta coisa para admirar! O terreno menos cultivado, mais plano e um pouco mais seco da província de Luanda foi dando lugar a uma paisagem progressivamente mais verdejante na província do Kwanza norte e posteriormente na de Malange, em que os embondeiros coabitam com as palmeiras, os catos, as bananeiras e outras árvores que não sei seus nomes, algumas de flor. Assim a planície vai dando lugar ao planalto e á montanha... e vai-nos surgindo a imagem de uma outra Angola, mais pura, mais verde, mais cultivada e mais organizada... à medida que o valor que o conta quilómetros regista ascende e a distância para o lugar de destino diminui.

A fauna também foi surpreendendo com a sua diversidade. Pela primeira vez vi um suricata! Ainda parámos o carro, mas foi para esquecer, o animal fugiu-nos da vista por entre o horizonte verde.  Vimos também um macaco... e parecem existir também gazelas que acabamos por vê-las mas num outro contexto: Mercado de rua, mortas, degoladas e prontas a ser cozinhadas para matar a fome de alguém.

Acho que ainda não vos tinha falado da experiência sensorial que é visitar um mercado de rua por aqui.

Pois então, é uma explosão imperdível para os sentidos... de cores, cheiros, texturas e sabores. Ali podemos encontrar de tudo, desde frutas a legumes variados (pela primeira vez provei mabok, -bem ácido- a fazer lembrar maracujá), carne crua que se vende assim ao ar livre...e no meio de vaca, galinha e porco pode encontrar-se gazela ou macaco.  Também há aqueles que com fogareiros improvisados  vão “tapando os buracos no estômago” de quem passa, com espetadas mistas ou a simples banana assada. A forma como as frutas e legumes estão expostas nos mercados é “colírio para os meus olhos” tudo super organizado por qualidades, tamanhos e cores...em pilha... a fazer lembrar o mercado “La boqueria” em Barcelona mas aqui num outro contexto.. mais “natural” em que as “bancadas” são a própria terra!

E eis que passadas 5h chegamos ao destino pretendido e á primeira atração: Quedas de Kalandula. As segunda maiores quedas de água de África. E bem, acho que quaisquer palavras ou qualquer imagem seria redutora para descrever a imponência das mesmas! Uma beleza natural única que de mão humana só tem mesmo assinaturas nas pedras ao jeito de: “Dibondo eu te amo”. Marcas de  angolanos, portugueses, e chineses que lá querem fazer ficar a sua passagem. Do lado contrário ao miradouro, uma pousada abandonada após época do colonialismo.

Vou tentar anexar ao texto uma filmagem que registei para partilhar o momento.

Foi nas cascatas que encontrei um pescador de sonhos... Pedi-lhe que pescasse o meu...  E no meu estão vocês...

Porque o sonho comanda a vida.... que continuemos todos nessa pescaria... de sonhos!

Com amor... abraço-vos forte o coração!

Rita