Amigos,
Venho
de uma aula de dança... e este vibrar do corpo deixou-me a vontade de vir
partilhar um pouco mais de mim, um pouco mais dos momentos que vou vivendo e
sentindo por aqui. Afinal, é sábado e é mais uma semana que está a chegar ao
fim!
A
quinta feira foi um dia diferente do rotineiro... fui brindada com um convite...com
uma surpresa inesperada e para isso tenho que vos falar do Eduardo.
O
Eduardo é um angolano muito simpático. Na sua cor é o sorriso quem mais se
destaca. Pai de 5 filhos e professor de matemática na universidade ao curso de
economia. Está na escola a leccionar desde bem antes de eu cá ter chegado mas
só ultimamente é que lhe tenho sido mais próxima... Talvez o meu despertar
progressivamente mais cedo me tenha vindo a possibilitar sermos parceiros nas
horas de pequeno almoço e para além do momento de refeição, temos partilhado
algumas histórias, algumas conversas e gargalhamos juntos...
Procurou-me
eram perto de umas 17h. Perguntou-me se tinha planos para o dia. E ao meu não, sorriu
e pediu-me para que não lhe recusasse o convite: fazia toda a questão que eu, o
meu colega Samuel e a namorada fossemos a sua casa jantar juntamente com a sua
família. E nós, com todo o gosto em aceitar.
Por
entre o trânsito infernal no sentido Kaop-Luanda seguimos até á vila de Cacuaco
onde chegámos por volta das 20h00. Os sorrisos simpáticos da sua filha e dois
netos recebiam-nos á chegada. Encaminharam-nos para as traseiras de uma casa
térrea de chão cimentado que diziam humilde e simples... No alpendre fomos
brindados com a simplicidade de um abraço meigo e um sorriso terno da sua
esposa Isabel que nos convidava a sentar numa mesa posta com pompa e circunstância...
repleta de comida toda ela tipicamente angolana com apontamentos da congolesa.
Não
pude aceitar instantaneamente o pedido para me sentar. Próximo á mesa estava o
espaço onde a comida que nos estava a ser apresentada tinha sido confeccionada (desde
as 4h da tarde que a Isabel juntamente com a ajuda da afilhada cozinhavam para
nós) e naquele preciso momento, entre tachos e panelas era o famoso funge (de
milho) que estava ao lume. Foi colírio para os meus olhos. Evidentemente que
tive que “meter o guedelho” e
obviamente, as “mãos na massa”. Fazer funge, não é tarefa fácil. Exige
um bater frequente e enérgico com uma colher de pau bem grande e pesadinha
chamada maxarico mas, penso não me ter saído tão mal para principiante. Pelo
menos os degustadores experts do funge não o desaprovaram! :)
O
funge era apenas um dos acompanhamentos para os vários pratos que tínhamos á
disposição. Provei de tudo, evidentemente! Assim passei pelo Makayabo (peixo
seco frito a fazer lembrar o bacalhau) a acompanhar com ufumbua (folhas
silvrestres com muamba de ginguba –amendoim- e óleo de palma). Pelo calulu de
corvina a acompanhar com funge (de milho). Pelos carapaus grelhados com funge
de bombom (mandioca) e kizaca (folhas de mandioqueira). E finalmente pela
pevide, uns bolinhos feitos de pevides de abobora, cenoura, cebola e ovo que
mergulham numa miscelânea de bagre (peixe
de água doce), cogumelos, outros legumes e catatus! Sim, mais uma vez comi as
famosas larvas...parece que isto primeiro estranha-se, depois entranha-se!
Fiquei-me por uma lagartinha, mas comi tudo o resto, regado por um bom
néctar...dos deuses!:)
E pelo
jantar adentro, por entre as especialidades gastronómicas de uma cultura com
carisma fui mergulhando num mar de histórias... A Isabel e o Eduardo têm um
oceano para contar!
E
fui “toda ouvidos” neste serão... E foi num misto de pele arrepiada e olhos
brilhantes que fui viajando na “máquina do tempo” ao som das palavras que a
Isabel ia proferindo e tanta coisa para absorver e tanta informação sensível
para digerir...
Viajei
até 1961, altura em que ambos, em virtude das guerras coloniais , e por racismo
por parte dos próprios familiares, se viram forçados a fugir para o Congo (daí
a influência congolesa da comida). A Isabel e o Eduardo foram “protegidos”
pelos portugueses, subiram de classe e eram na altura os chamados
“assimilados”. Ser assimilado era considerado pelos autóctones uma deslealdade,
uma traição e por isso, alvos a abater.
Conseguiram ilegalmente fugir e é com muita emoção que nos vão falando destes
momentos, dessas histórias, das guerras, do bem e do mal que nós portugueses
lhes fomos fazendo.... e das marcas que fomos deixando... feridas que
saram...mas nunca se curam. Ficava a noite inteirinha nesta escuta, como se não
houvesse amanhã...mas o tardar da hora e uma reunião marcada no campus para os
professores residentes não permitiu que assim fosse... ficou no ar um próximo
reencontro. Como é bom encontrar pessoas assim pelo “caminho”... “Ouvir” outras
“músicas”, “dançar” outras “danças”...
E
falando em danças...foi das danças que vim! Hoje havia aula entre os alunos da
universidade. Fiquei embasbacada a olhar-lhes a agilidade, a sensibilidade, a
proximidade, a espontaneidade., o ritmo controlado dos movimentos concêntricos.
Como se tocam, se entrelaçam, se transformam e em uníssono se fundem para uma
dança sensual única. Arrepia.... e dá vontade de dançar... E, no meio de tantos
experts, lá aprendi uns passos do semba, outros de kizomba e no final uma
tarraxinha... disseram que “tarraxei”, que passei no teste e fui convocada para
as próximas aulas...
E se
“atarraxar” significar agarrar, colar e ficar junto.... então é um abraço “tarraxado”
que daqui te sopro! Ao som de uma tarraxinha... com amor e saudade!
Rita
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