sábado, 7 de setembro de 2013

Luanda, 7 de Setembro de 2013


Amigos,

Venho de uma aula de dança... e este vibrar do corpo deixou-me a vontade de vir partilhar um pouco mais de mim, um pouco mais dos momentos que vou vivendo e sentindo por aqui. Afinal, é sábado e é mais uma semana que está a chegar ao fim!

A quinta feira foi um dia diferente do rotineiro... fui brindada com um convite...com uma surpresa inesperada e para isso tenho que vos falar do Eduardo.

O Eduardo é um angolano muito simpático. Na sua cor é o sorriso quem mais se destaca. Pai de 5 filhos e professor de matemática na universidade ao curso de economia. Está na escola a leccionar desde bem antes de eu cá ter chegado mas só ultimamente é que lhe tenho sido mais próxima... Talvez o meu despertar progressivamente mais cedo me tenha vindo a possibilitar sermos parceiros nas horas de pequeno almoço e para além do momento de refeição, temos partilhado algumas histórias, algumas conversas e gargalhamos juntos...

Procurou-me eram perto de umas 17h. Perguntou-me se tinha planos para o dia. E ao meu não, sorriu e pediu-me para que não lhe recusasse o convite: fazia toda a questão que eu, o meu colega Samuel e a namorada fossemos a sua casa jantar juntamente com a sua família. E nós, com todo o gosto em aceitar.

Por entre o trânsito infernal no sentido Kaop-Luanda seguimos até á vila de Cacuaco onde chegámos por volta das 20h00. Os sorrisos simpáticos da sua filha e dois netos recebiam-nos á chegada. Encaminharam-nos para as traseiras de uma casa térrea de chão cimentado que diziam humilde e simples... No alpendre fomos brindados com a simplicidade de um abraço meigo e um sorriso terno da sua esposa Isabel que nos convidava a sentar numa mesa posta com pompa e circunstância... repleta de comida toda ela tipicamente angolana com apontamentos da congolesa.

Não pude aceitar instantaneamente o pedido para me sentar. Próximo á mesa estava o espaço onde a comida que nos estava a ser apresentada tinha sido confeccionada (desde as 4h da tarde que a Isabel juntamente com a ajuda da afilhada cozinhavam para nós) e naquele preciso momento, entre tachos e panelas era o famoso funge (de milho) que estava ao lume. Foi colírio para os meus olhos. Evidentemente que tive que “meter o guedelho” e  obviamente, as “mãos na massa”. Fazer funge, não é tarefa fácil. Exige um bater frequente e enérgico com uma colher de pau bem grande e pesadinha chamada maxarico mas, penso não me ter saído tão mal para principiante. Pelo menos os degustadores experts do funge não o desaprovaram! :)

O funge era apenas um dos acompanhamentos para os vários pratos que tínhamos á disposição. Provei de tudo, evidentemente! Assim passei pelo Makayabo (peixo seco frito a fazer lembrar o bacalhau) a acompanhar com ufumbua (folhas silvrestres com muamba de ginguba –amendoim- e óleo de palma). Pelo calulu de corvina a acompanhar com funge (de milho). Pelos carapaus grelhados com funge de bombom (mandioca) e kizaca (folhas de mandioqueira). E finalmente pela pevide, uns bolinhos feitos de pevides de abobora, cenoura, cebola e ovo que mergulham numa miscelânea de  bagre (peixe de água doce), cogumelos, outros legumes e catatus! Sim, mais uma vez comi as famosas larvas...parece que isto primeiro estranha-se, depois entranha-se! Fiquei-me por uma lagartinha, mas comi tudo o resto, regado por um bom néctar...dos deuses!:)

E pelo jantar adentro, por entre as especialidades gastronómicas de uma cultura com carisma fui mergulhando num mar de histórias... A Isabel e o Eduardo têm um oceano para contar!

E fui “toda ouvidos” neste serão... E foi num misto de pele arrepiada e olhos brilhantes que fui viajando na “máquina do tempo” ao som das palavras que a Isabel ia proferindo e tanta coisa para absorver e tanta informação sensível para digerir...

Viajei até 1961, altura em que ambos, em virtude das guerras coloniais , e por racismo por parte dos próprios familiares, se viram forçados a fugir para o Congo (daí a influência congolesa da comida). A Isabel e o Eduardo foram “protegidos” pelos portugueses, subiram de classe e eram na altura os chamados “assimilados”. Ser assimilado era considerado pelos autóctones uma deslealdade,  uma traição e por isso, alvos a abater. Conseguiram ilegalmente fugir e é com muita emoção que nos vão falando destes momentos, dessas histórias, das guerras, do bem e do mal que nós portugueses lhes fomos fazendo.... e das marcas que fomos deixando... feridas que saram...mas nunca se curam. Ficava a noite inteirinha nesta escuta, como se não houvesse amanhã...mas o tardar da hora e uma reunião marcada no campus para os professores residentes não permitiu que assim fosse... ficou no ar um próximo reencontro. Como é bom encontrar pessoas assim pelo “caminho”... “Ouvir” outras “músicas”, “dançar” outras “danças”...

E falando em danças...foi das danças que vim! Hoje havia aula entre os alunos da universidade. Fiquei embasbacada a olhar-lhes a agilidade, a sensibilidade, a proximidade, a espontaneidade., o ritmo controlado dos movimentos concêntricos. Como se tocam, se entrelaçam, se transformam e em uníssono se fundem para uma dança sensual única. Arrepia.... e dá vontade de dançar... E, no meio de tantos experts, lá aprendi uns passos do semba, outros de kizomba e no final uma tarraxinha... disseram que “tarraxei”, que passei no teste e fui convocada para as próximas aulas...

E se “atarraxar” significar agarrar, colar e ficar junto.... então é um abraço “tarraxado” que daqui te sopro! Ao som de uma tarraxinha... com amor e saudade!

Rita


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